A conquista dos direitos políticos das mulheres – parte III

2 de julho de 2020 às 08:15

Quando o sistema de opressão e hegemonia masculina não é repensado, até mesmo as tentativas de equilibrar a representatividade eleitoral das mulheres na política brasileira se tornam uma ferramenta de manipulação, se mostrando insatisfatórias.

As quotas de gênero foram adotadas em 2009, com a previsão da reserva de percentagem das candidaturas registradas junto a justiça Eleitoral, por cada coligação ou partido político. Contudo, a adoção de quotas de gênero sem garantir o acesso das candidatas às verbas necessárias para custear as campanhas eleitorais não só foi insuficiente para atingir a isonomia desejada, como deu abertura para as estruturas partidárias misóginas criarem as chamadas “candidaturas laranjas”, burlando a lei eleitoral.

Diante das crescentes reivindicações das mulheres a respeito da participação nos recursos para custear suas campanhas, a minirreforma eleitoral de 2015, inseriu uma previsão de que os fundos eleitorais seriam destinados de entre 5 a 10% às quotas de candidaturas previstas em lei.

Por esse motivo, no ano de 2016, a Procuradoria-Geral da República propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5617, com o intuito de questionar os limites de gastos com as candidaturas femininas firmados pela minirreforma eleitoral de 2015 e, com isso, salvaguardar os princípios constitucionais da isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, que os gastos com as candidaturas de mulheres deveria obedecer à proporção fixada pela legislação eleitoral (no §3º, do artigo 10, da Lei nº. 9504/97), qual seja: os recursos financeiros devem ser distribuídos em conformidade com a quantidade de candidatos de cada gênero, devendo ser respeitado o mínimo de 30% (trinta por cento) do valor dos fundos de financiamentos eleitorais para a quota de gênero exigida pela lei.

Ainda assim, as possibilidades de fraudes e candidaturas de fachada não estão banidas. Não há dúvidas que um dos gargalos para a efetiva e robusta participação das mulheres na política é a dominação masculina dos próprios órgãos partidários: os partidos, quase que exclusivamente comandados por homens, exercem essa força de resistência à democratização de gênero.

Pesquisa realizada pelas professoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University, indica que até 35% das candidatas mulheres nas eleições de 2018 podem ter sido inscritas formalmente apenas para cumprir a lei de quotas.

Considerando que as primeiras decisões eleitorais e políticas são tomadas no âmbito dos partidos políticos, as lideranças partidárias masculinas — deliberadamente ou não — dificultam o acesso das mulheres às ferramentas de competição para o ingresso na política institucionalizada.

No dia 19 de maio deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu em uma consulta, cuja relatoria foi da então presidente ministra Rosa Weber, que a regra de 30% de reserva de gênero também deve ser observada pelos órgãos partidários (comissões executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais).

Mesmo não possuindo caráter vinculativo, nem sancionador aos partidos políticos, a decisão pode prenunciar novos horizontes em relação ao acesso das mulheres à vida política nacional como um todo, já que sinaliza para modificação de uma cultura política misógina, que começa na base das estruturas políticas, que são os próprios partidos.

A lentos passos, as mulheres têm aumentado a participação na política brasileira, superando desafios hercúleos. Esse aumento é fundamental para que mais mulheres ascendam aos cargos políticos de poder no intuito de viabilizar uma participação mais igualitária na construção de leis, da cultura e ‒ consequentemente ‒ de políticas públicas que nos digam respeito.

Com isso, serão possíveis o enfrentamento e debate democrático de assuntos espinhosos (tais como o aborto, violência doméstica, desigualdades de salários, assédios, previdência social, saúde pública, infraestrutura, etc.), levando em conta a pluralidade das vivências, das opiniões e das realidades das mulheres. É imprescindível que a cosmovisão das mulheres seja adicionada à discussão coletiva. É inadiável que as mulheres passem a representar a si mesmas nas esferas de poder.

Esse é só o começo!

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